Tecidos, adornos, moda e a Revolução Francesa

 Você sabia que durante a Revolução Francesa tecidos e adornos e as próprias roupas mudaram drasticamente? Parece óbvio, afinal foi uma revolução que teve um de seus períodos chamados de Reinado do Terror!

Essa revolução impactou também nas economias de outros países e vou dar um exemplo: em Flandres, região da Bélgica, haviam 12.000 rendeiras que trabalhavam para a abastecer a França de rendas e elas ficaram sem trabalho, isso porque ornamentos como rendas desapareceram do vestuário.

Não só os adornos, mas os tecidos mudaram e transformaram-se mais em uma declaração simbólica do que declaração de moda. 

Adornos como rendas, bordados, joias e tecidos sofisticados retornaram ao fim da revolução e você sabe quem foi o responsável por esta retomada? Esta resposta bem como algumas mudanças no vestuário e em sua ornamentação eu conto no decorrer do texto. Se você preferir a versão em vídeo, segue abaixo, mas se preferir a leitura ela segue após o vídeo.

Neste artigo eu comento e ilustro algumas das mudanças que ocorreram na ornamentação e na própria indumentária durante a Revolução Francesa e avanço alguns anos após, mais precisamente entre os período de 1789 até 1810. Essas mudanças ocorreram, é claro, nas roupas da nobreza, afinal, os pobres nao tinham nem o que comer, quem dera roupas ornamentadas. 

Com a revolução, os abastados passaram a se vestir de maneira menos ornamentada, afinal, como dizem alguns autores, qualquer pessoa cuda aparência a colocasse sob suspeita de ser um aristocrata corria risco de vida.

A motivação para este artigo foi um documentário que assisti recentemente sobre a revolução. Havia uma cena que me impressionou muito...o momento em que mulheres parisienses, cansadas de passarem fome e outras necessidades, caminham em direção à Versailles armadas de facas, foices e fações. 

Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Women%27s_March_on_Versailles

Essas mulheres representavam a maioria, ou seja, o povo. A marcha ocorreu em outubro de 1789, três meses após a queda da Bastilha. Muitas destas mulheres trabalhavam em mercados parisienses e eram consideradas fortes e destemidas.

Elas marcharam rumo a Versailles porque era justamente lá que "morava" o problema...enquanto a maioria passava fome, o Rei Louis XVI e a rainha Maria Antonieta viviam com a corte de forma luxuosa em Versailles alheios ao que se passava a grande maioria da população: pobreza extrema e falta do item básico na alimentação, o pão. 

Rainha Maria Antonieta

Rei Louis XVI


 


Os anos de 1791 e 1792 foram fatídicos para a monarquia. O Rei Louis XVI foi para a guilhotina em 21/01/1793, aos 38 anos e Maria Antonieta teve o mesmo destino 9 meses depois, precisamente em 16/10/1793, aos 37 anos. 

Não só eles como milhares de franceses tiveram o mesmo destino...com essa brevíssima contextualização, vamos ao foco deste artigo.

Os tecidos em si, usados na confecção de roupas, já apontava a separação de classes e até distinção política. Os materiais, leiam-se as fibras e até mesmo o processo de fabricação dos tecidos usados pelos nobres demonstravam seu valor e refinamento. Mas, no período da Revolução, tecidos nobres foram abolidos, e julgaram necessário esse movimento para apagar qualquer resquício do antigo regime e assim se reinventarem com estilos que valorizassem os novos tempos. A moda do país mudou e andou lado a lado com a política, isto porque usar adornos com as cores azul, vermelho e branco era um símbolo de celebração das conquistas e também de identificação pública de apoio a Revolução.  

Entre os adornos destaca-se o cocarde que estava presente em roupas e acessórios. 

Cocardes
Fonte: https://www.fusac.fr/symbols_france/

Fonte: https://mycostumehistory.wordpress.com/tag/cocarde-nationale/

Até 1789 o cocarde era usado pelos militares preso no chapéu ou na lapela do casaco, mas as partir da queda da Bastilha ostentar o cocarde era a confirmação de engajamento a causa revolucionária.
Logo no início da Revolução Francesa, as pessoas usaram as cores azul, vermelho e branco como a primeira manifestação de patriotismo, mas logo essas cores e o cocarde passaram a ser de uso obrigatório para não ser confundido com um contra-revolucionário ou traidor. 
Os cocardes eram feitos de tecido de lã ou algodão, a maioria feitos em tecidos feitos à mão e igualmente costurados à mão. Ostentar um cocarde com algum tecido nobre não era visto com bons olhos...

O vestuário feminino

Após 1789 os vestidos elaborados começaram a sair de cena e foram substituídos por um estilo mais simples, cores suaves, feitos em algodão ou linho. Neles não havia sinais de rendas, joias, metais (ouro e prata) ou penas. Os bustos passaram a não ser mais sustentados por corpetes rígidos, como mostra a pintura abaixo de 1796.
Gerard: Mme Barbier-Walbonne, 1796
Paris, Louvre.

A cintura é marcada logo abaixo dos seios. Os vestidos estão mais soltos, uma forma de homenagear a nova liberdade no vestir e a sobriedade que atingiu o pico durante o Reinado do Terror, entre 1793 e 1794.
E no cabelo, o pó não é mais usado. No filme Maria Antonieta de Sofia Coppola é possível observar muito bem esse e muitos outros detalhes dos costumes luxuosos da monarquia e da corte.
Mesmo depois que o Reinado do Terror ficou para trás, as inovações em tecidos fomentou a transição da silhueta opressiva para vestidos leves, de linhas retas e esvoaçantes que deixava o corpo mais exposto e lembrava a indumentária grega.
Por volta de 1800 na moda feminina predominavam túnicas brancas feitas de tecidos leves, mangas curtas e cintura alta. Essa "simplicidade" se deu em parte pela necessidade de esquecer a dominação da revolução e o desejo das pessoas por aproveitar a vida.

Vou retroceder no tempo para salientar que tecidos leves já haviam sido usados por Maria Antonieta, como mostra essa pintura de 1783.
Maria Antonieta. Por Élisabeth Vigée-Lebrum, 1783

A roupa que Maria Antonieta usa na pintura consiste em várias camadas de musseline drapeada. Era um vestido com ar primaveril e campestre. Segundo alguns autores, este quadro causou escândalo na época porque a vestimenta parecia "roupa de baixo".
Um outro problema simbólico diz respeito ao tecido usado no vestido que era importado. Algumas fontes apontam que o tecido era proveniente da Inglaterra e outras da ìndia, mas independente disso, o que importa é que a indústria francesa de seda não gostou nem um pouco disso...ainda mais quando a moda pegou. Mais um motivo para destilarem ódio contra a rainha. 

Mas voltando ao final do século XVIII...a nova silhueta conquistou a europa e pessoas influentes como Juliette Récamier ajudaram a propagar o novo ideal de beleza neoclássico. Importante ressaltar que, como os vestidos eram leves e sem bolsos, abriu-se espaço o uso de bolsas de mão.
Juliete Récamier. François Gerard, 1802

A roupas masculina

No que diz respeito alguns detalhes da roupa masculina, o colete era de corte quadrado com lapelas, o casaco simples, com gola alta virada para baixo e muitas vezes forrado com outra cor de tecido. As calças iam até abaixo dos joelhos e os sapatos eram pontiagudos.
Delafontaine: Bertrand Andrieu, 1798

O corte dos casacos foram mudando e podem ser observados nas imagens abaixo. Á direita, um casaco de 1790 e logo em seguida surgiu o casaco de cauda trespassado. Esses casacos eram feitos de algodão e muito distantes dos casacos de seda coloridos do período da monarquia.
                                                                  Evolução nos casacos masculinos
                                                           Fonte: https://unframed.lacma.org/2016/08/03/french-revolutionary-fashion

Temos que destacar também os militantes revolucionários "sans culotte" ou "sem calças". Eles usavam calças largas em tecido de algodão grosso e o casaco normalemente em lã. Uma roupa típica dos trabalhadores e foi um símbolo contra a roupa nada prática usada pela aristocracia. 
L. Boilly: The Actor Chenard as a Sans-culotte, 1792.

A influência política dos "sans-culotte" cessou com a queda e decapitação de Robespierre (1794), pois eles eram uma categoria dentro da sociedade muito sensível às dificuldades de abastecimento e às diversas crises econômicas.
 Por volta de 1800, gravatas davam várias voltas ao redor do pescoço e também neste período o estido do penteado chamava-se algo como "orelha de cachorro".
L. Boilly: Point of Conventions. c.1801.

Economia francesa

Os efeitos na indústria têxtil durante a revolução foram rápidas e drásticas!
As vendas decaíram muito e uma longa temporada de baixa nos negócios se iniciava em uma economia que anteriormente fornecia matéria prima para toda a Europa. Sedas de Lyon, camurças de Grenoble, chapelaria de Paris, nada escapou...
Em 1791 Marat, um conhecido jornalista radical do período, escreveu: Eu posso estar errado, mas não me surpreenderia se em 20 anos não encontrarmos um único trabalhador capaz de fazer um chapéu ou um par de sapatos!

O caos na produção atingiu seu auge em 1797 durante o período chamado Diretório, pois a produção de tecidos caiu em 2/3. Houve uma tentativa de reverter a situação com a importação de maquinário inglês. Mas os melhores resultados da produção têxtil foi a partir de 1799, período conhecido como Consulado, onde Bonaparte foi Cônsul. A produção de tecidos de algodão foi reestabelecida e a estamparia mecanizada.

A empresa chamada Oberkampf, a real manufatura de tecidos estampados, foi a primeira empresa a introduzir a estamparia com cilindros de cobre na França, em 1802. A imagem abaixo é meramente ilustrativa do processo, mas trata-se de uma manufatura inglesa imprimindo em tecido de algodão. 
Gravura de Edward Baines: History of the cotton manufacture in Great Britain, 1835. 

Para a produção de seda em Lyon a situação não foi nada fácil, isso porque até 1810 dos 14.000 teares da cidade, metade foram desmontados, provavelmente para a produção de material bélico para a revolução. Porém, 2 anos depois, a cidade possuia 10.000 teares em funcionamento e melhorias como o sistema Jacquard também havia sido implementado e contribuindo para o aumento da produção. A indústriad de seda em Lyon estabeleceu-se a mando do rei Louis XI, no século XV, com o objetivo de não ter que importar seda da Itália. 

Napoleão...

Mas muito do que desapareu na ornamentação da indumentária durante o período da revolução, retorna quando Napoleão se torna imperador. A suntuosidade da corte retorna... E a coroação de Napoleão foi marcada pelo luxo. Então fica aqui a resposta do início do artigo de quem foi o responsável pelo resgate da ornamentação na moda francesa.

Coroação de Napoleão
Jacques-Louis David, 1807


Em sua coroação, Napoleão usou uma gravata de renda de Alençon, uma das técnicas mais preciosas da França e que praticamente desapareceu no início da Revolução. Escrevi um artigo sobre esta técnica recentemente e fica aqui o link: Renda Alençon: a "renda das rainhas e a rainha das rendas".

 Vale também mencionar a renda chantilly, técnica produzida com bilros e leva o mesmo nome da cidade em que era produzida. A renda era uma das preferidas de Maria Antonieta e das damas da corte, tendo com isso muita importãncia econômica no século XVIII e que também praticamente desapareceu durante a Revolução. 
Comenta-se que, como as rendeiras eram vistas como protegidas da Rainha, depois que Maria Antonieta foi decapitada, muitas rendeiras também foram mortas.
Mas o retorno da técnica e produção também teve o apoio de Napoleão e ela ressurge por volta de 1804.

Além das rendas, bordados também voltaram ao uso, não só pela moda vigente, eles eram determinados por normas rígidas que se pautavam pela classe social e posição de quem as usava. Bordados em ouro sobre tule de seda era muito apreciados por Josephine Bonaparte, como mostra este detalhe de um de seus vestidos.

Como o tema do artigo era o período da Revolução, eu finalizo aqui e assim que for possível, tentarei escrever novo texto com o que veio pela frente nos tecidos e ornamentações na França.

Obrigada!


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