Renda Alençon: a “renda das rainhas e a rainha das rendas”


Como uma renda pode alcançar o status de ser a “renda das rainhas e a rainha das rendas”*? Veja neste post quais são suas características técnicas e históricas que lhe concederam tamanho status e como esta técnica está sendo tratada na contemporaneidade para que esse patrimônio cultural se perpetue.
Assim como a renda Chantilly, tratada no post anterior, a renda Alençon leva esse nome pelo local de produção, a cidade de Alençon que fica na região da Normandia, na França.
A cidade, em 1665 já era considerada um polo de produção de outras técnicas de renda como as de recorte e reticella e, a renda Alençon, tornou-se importante por volta de 1717 (Earnshaw, 1984).
Seu uso não estava restrito apenas ao vestuário feminino ou masculino. Em seus períodos de auge – reinado de Louis XVI e de Napoleão I -  até mesmo na decoração a renda era amplamente usada.
A técnica
A renda Alençon é uma técnica de renda de agulha feita à mão (para aprofundar veja minha dissertação de mestrado). São diversas etapas que devem ser cumpridas para a execução da renda. Segundo o Atelier Conservatoire National de la Dentelle d'Alençon, são precisamente 10 etapas a serem cumpridas. A primeira etapa consiste na criação do desenho (feito em uma espécie de “papel manteiga”) que posteriormente é transferido para uma base. Essa transferência é feita perfurando o papel que contém o desenho e assim, marca-se a base. O desenho contém basicamente motivos florais e formas orgânicas, com fio de contorno que dá forma e relevo aos motivos.

Os motivos são preenchidos com diferentes pontos, que conferem efeitos de "sombras" obtidos pelas diferentes aberturas das malhas. 
A última etapa, que ocorre após a retirada da renda da base é bastante curiosa, pois os pontos são "alisados" com uma garra de lagosta!


De acordo com o site do L´Inventaire du Patrimoine Culturel Immateriel da França, o know-how é transmitido por meio da aprendizagem oral e de línguas de sinais e o domínio da técnica requer de sete a dez anos de treinamento. 
Trata-se de uma técnica complexa, pois um cm2 leva em média 7 horas para ser tecido. A técnica é de tamanha importância que está incluída na lista da Unesco como Patrimônio Intangível da Humanidade.  Claro que, pelo tempo de execução da renda, seu valor é altíssimo.
A história
De acordo com Pat Earnshaw (2000) a história da renda inicia em 1665, quando o então ministro francês Colbert tentou barrar as importações de rendas italianas. Devido aos grande consumo de renda na corte, a importação de renda estava causando um enorme déficit para no orçamento. Mas, para que a França não ficasse desabastecida de rendas, visto que se tratava de item quase que de primeira necessidade (para a corte), o ministro mandou levar para a cidade de Alençon rendeiras venezianas com o intuito de que elas ensinassem a técnica para mulheres locais.
A técnica veneziana passou por adaptações, originando a versão francesa, tão ou mais importante que a original. Apesar de os motivos e até mesmo a estrutura da renda terem se alterado durante os séculos, caracteriza-se pelos motivos florais que se destacam com um contorno acentuado. Originalmente, era feita em linho e atualmente também é produzida em algodão.
A produção de renda Alençon cessou em 1789, com a Revolução Francesa, mas voltou à cena no século XIX com Napoleão I, que inclusive usou uma gravata de renda Alençon em sua coroação em 1804 (Earnshaw, 1984).
                                                 A Coroação de Napoleão. Jacques-Louis David, 1807.

Na contemporaneidade
Na França há o Atelier National Du Point d’Alençon, criado em 1976, supervisionado pelo Ministério da Cultura onde motivos de rendas do século XVIII e XIX são reproduzidos e servem de referências para releituras e aplicações em novos objetos desenvolvidos. O objetivo do ateliê é salvaguardar o conhecimento e o domínio da técnica e passá-los para os interessados.
Atualmente a renda é produzida por algumas rendeiras especializadas e a maioria delas estão ligadas ao Atelier Nacional.
Sem dúvida, a renda Alençon é um dos destaques da imagem turística da cidade e um dos principais veículos de promoção da região. Um caso de sucesso em nome do patrimônio têxtil e nos resta torcer para que contínuas iniciativas estimulem a produção da renda, perpetuando sua existência. 
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Até semana que vem!

(*) apelido que recebeu na L’exposition universelle de Londres, em 1851.  

Referências:
EARNSHAW, Pat. Lace in Fashion-from the sixteenth to the twentieth centuries. Guildford: Gorse Publications, 1991. 

______. Bobbin & Needle lace – Identifications and Care. London: Batsford Craft Ltda, 1983.
 _____. The Identification of Lace. 3th. ed. London: Shire Publications Ltd, 2000.

L´Inventaire du Patrimoine Culturel Immatériel en France:  https://www.pci-lab.fr  (Acesso em 23 maio 2019)

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