O século XVII e as rendas de agulha em Veneza
No século XVII cidades italianas como Milão e Gênova se destacaram na produção de renda de bilros, enquanto em Veneza, apesar de também produzir esta técnica, se destacou na produção de rendas de agulha.
De acordo com o
Musei Civici di Venezia, as rendas produzidas na cidade eram inimitáveis. Só
era possível imitá-las se rendeiras fossem sequestradas e enviadas para outros
países. Fato que ocorreu e, na medida em que as rendas eram reproduzidas fora
da cidade, outras rendas surgiam, ainda mais belas e complexas. Possivelmente
isso explique tamanha beleza e criatividade do período.
“As
decorações da primeira metade do século caracterizavam-se por muitas variedades
de especialidades botânicas reproduzidas de forma realista, estruturadas em
círculos em que alternavam pequenos animais e pássaros; entre 1650 e 1675
aproximadamente, assistimos à invasão dos motivos florais indianos, retirados
dos livros de ervas e interpretados com imaginação; no último quartel os mesmos
motivos passam por uma transformação com a diminuição progressiva de tamanho e
estilização.” (Fondazione Museu Civice de Venezia)
As rendas produzidas
no período são raras, mas podem ser encontradas em acervos de grandes museus
europeus. E, para compreendê-las, podemos organizá-las em 2 grupos, seguindo a
orientação da autora Pat Earnshaw (2000): as rendas que apresentavam volumes e
as que não apresentavam volume.
Grupo 1: Rendas que apresentam volumes:
Gross point ou, em italiano, punto Venezia tagliato a fogliame ad altorilievo: técnica de incrível beleza onde os motivos têm efeito tridimensional, com densos volumes que parecem esculturas. De acordo com o Metropolitan Museum os elementos escultóricos são alcochoados com fibras de linho ou lã e cobertos com milhares de pontos de caseado em fio de linho extremamente fino. Foi popular entre 1650 e 1670 e mesmo depois de ter "saído de moda", permaneceu muito valiosa.
O Museu Caprai aponta que, na interpretação barroca, flores de cardo (uma planta que cresce na Península Ibérica), romãs, tulipas e rosas transformam-se em volutas carnudas e pesadas com evoluções muitas vezes inorgânicas dos caules e folhagens representadas.
Nesta técnica, os motivos florais medem aproximadamente 50-75mm, informação importante para comparar com as próximas rendas e que pode contribuir para sua identificação.
Rose point ou punto rosa – se desenvolveu a partir de 1680. Nesta técnica os motivos são menores do que na renda “gross point”, podendo medir entre 25-35mm e o volume um pouco menos acentuado. Trata-se de uma renda mais ornamentada que a Gross point onde as barras que ligam os motivos são mais decoradas e com muitos picots. As imagens abaixo contribuem para ilustrar a técnica.
Point de neige, em italiano punto neve: esta técnica se desenvolveu na segunda metade do século XVII, destacando-se entre 1650-1720 Caracterizam-se pelos motivos serem ainda menores se comparado com rose point e medem em torno de 13mm. Além dos picots, as barras que unem os motivos são um pouco mais largas.
De acordo com o Metropolitan Museum of Art, o nome point de neige refere-se à semelhança dos delicados pontos usados na renda inspirados no desenho de flocos de neve (neige é a palavra francesa para neve).
O final do século XIX testemunhou uma extensa indústria tanto na cópia quanto na remodelação de rendas dos séculos XVII e XVIII.
Renda produzida com a técnica "point de neige" Fonte: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/215050
Grupo 2: rendas “flat”, caracterizada pela ausência de volume. Em oposição as rendas com volumes, as seguintes rendas se desenvolveram na Veneza no século XVII:
Point Plat (a palavra “plat” é francesa e sinônimo de “flat” em inglês): nesta técnica, pequenos motivos florais são predominantes, ligados e ornamentados com picots. Não há volumes ou motivos em camadas como ocorre no grupo 1, mas inúmeros pontos de preenchimento, nos quais são utilizados finos fios de linho, são empregados para que o resultado seja uma renda extremamente delicada, ou conforma Earnshaw (1982), “sublime”.
Ao contrário do
“point plat” e do “gross point” que foram reproduzidos em vários países
europeus, o Museo Caprai menciona que esta renda não foi reproduzida em nenhum
outro lugar.
É uma renda que dificilmente encontra-se disponível para visualização em sites de museus.
Reseau Venice, em português podemos “tentar” traduzir para algo como "renda veneziana com malha" ou com "rede". Atenção que a palavra malha não se aplica nos termos que usamos convencionalmente nos dias de hoje. Importante salientar que nesta técnica, ao invés de barras para ligar os motivos, a base de ligação era tecida com uma rede com pontos que lembram uma forma hexagonal. Este tipo de base, nos séculos seguintes também será utilizado em técnicas produzidas em outros países, mas isso é assunto para outro post.
A imagem abaixo não é rica em detalhes, mas ajuda a ter uma ideia e diferenciar esta técnica das demais citadas.
Essas rendas
eram produzidas geralmente em linho (e com muito menos frequência em seda).
Como se pode
observar, os nomes das técnicas estão mencionados em inglês por conta de ser a
origem da maior parte das referências e fontes de pesquisa. As relações com as
versões para italiano, francês e português servem para ajudar na compreensão das
diferenças entre as técnicas.
Mesmo que este
conteúdo não seja um artigo científico, espero que este conteúdo tenha contribuído
para ampliar seus conhecimentos sobre as rendas italianas produzidas no século
XVII. As fontes utilizadas na pesquisa são fontes fidedignas e séries e você
pode conferir abaixo.
Até a próxima!
Vera
Referências
Earnshaw, Pat. The Identification of Lace. 3th. ed. London: Shire Publications
Ltd, 2000.
Earnshaw, Pat. A dictionary of lace. London: Shire Publications Ltd, 1982.
Metropolitan Museum of Art: www.metmuseum.org
Museu Caprai: www.museocaprai.it
The Cleveland
Museum of Art: www.clevelandart.org
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