O século XVII e as rendas de agulha em Veneza

No século XVII cidades italianas como Milão e Gênova se destacaram na produção de renda de bilros, enquanto em Veneza, apesar de também produzir esta técnica, se destacou na produção de rendas de agulha. 

Veneza no século XVII
Fonte: https://www.medievalists.net/2014/11/can-fourteenth-century-venice-teach-us-ebola/venice-17th-century/

De acordo com o Musei Civici di Venezia, as rendas produzidas na cidade eram inimitáveis. Só era possível imitá-las se rendeiras fossem sequestradas e enviadas para outros países. Fato que ocorreu e, na medida em que as rendas eram reproduzidas fora da cidade, outras rendas surgiam, ainda mais belas e complexas. Possivelmente isso explique tamanha beleza e criatividade do período.

“As decorações da primeira metade do século caracterizavam-se por muitas variedades de especialidades botânicas reproduzidas de forma realista, estruturadas em círculos em que alternavam pequenos animais e pássaros; entre 1650 e 1675 aproximadamente, assistimos à invasão dos motivos florais indianos, retirados dos livros de ervas e interpretados com imaginação; no último quartel os mesmos motivos passam por uma transformação com a diminuição progressiva de tamanho e estilização.” (Fondazione Museu Civice de Venezia)

As rendas produzidas no período são raras, mas podem ser encontradas em acervos de grandes museus europeus. E, para compreendê-las, podemos organizá-las em 2 grupos, seguindo a orientação da autora Pat Earnshaw (2000): as rendas que apresentavam volumes e as que não apresentavam volume.

Grupo 1: Rendas que apresentam volumes:

Gross point ou, em italiano, punto Venezia tagliato a fogliame ad altorilievo: técnica de incrível beleza onde os motivos têm efeito tridimensional, com densos volumes que parecem esculturas.  De acordo com o Metropolitan Museum os elementos escultóricos são alcochoados com fibras de linho ou lã e cobertos com milhares de pontos de caseado em fio de linho extremamente fino. Foi popular entre 1650 e 1670 e mesmo depois de ter "saído de moda", permaneceu muito valiosa.   

O Museu Caprai aponta que, na interpretação barroca, flores de cardo (uma planta que cresce na Península Ibérica), romãs, tulipas e rosas transformam-se em volutas carnudas e pesadas com evoluções muitas vezes inorgânicas dos caules e folhagens representadas. 

Nesta técnica, os motivos florais medem aproximadamente 50-75mm, informação importante para comparar com as próximas rendas e que pode contribuir para sua identificação. 

Detalhe de renda tecida com técnica "gross point" do acervo do Museu Caprai
Fonte: http://www.museocaprai.it/collezione_scheda.php?idc=2 

Renda produzida com a técnica "gross point"

Rose point ou punto rosa – se desenvolveu a partir de 1680. Nesta técnica os motivos são menores do que na renda “gross point”, podendo medir entre 25-35mm e o volume um pouco menos acentuado. Trata-se de uma renda mais ornamentada que a Gross point onde as barras que ligam os motivos são mais decoradas e com muitos picots. As imagens abaixo contribuem para ilustrar a técnica.

Renda produzida com a técnica "rose point"

Renda produzida com a técnica "rose point"
Renda produzida com a técnica "rose point"

Point de neige, em italiano punto neve: esta técnica se desenvolveu na segunda metade do século XVII, destacando-se entre 1650-1720 Caracterizam-se pelos motivos serem ainda menores se comparado com rose point e medem em torno de 13mm. Além dos picots, as barras que unem os motivos são um pouco mais largas.

De acordo com o Metropolitan Museum of Art, o nome point de neige refere-se à semelhança dos delicados pontos usados na renda inspirados no desenho de flocos de neve (neige é a palavra francesa para neve). 

O final do século XIX testemunhou uma extensa indústria tanto na cópia quanto na remodelação de rendas dos séculos XVII e XVIII. 

 

Detalhe de renda tecida com técnica "point neige"
Fontehttp://www.museocaprai.it/collezione_scheda.php?idc=264

                                                     Renda produzida com a técnica "point de neige"                                                              Fonte: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/215050

Grupo 2: rendas “flat”, caracterizada pela ausência de volume. Em oposição as rendas com volumes, as seguintes rendas se desenvolveram na Veneza no século XVII:

Point Plat (a palavra “plat” é francesa e sinônimo de “flat” em inglês): nesta técnica, pequenos motivos florais são predominantes, ligados e ornamentados com picots. Não há volumes ou motivos em camadas como ocorre no grupo 1, mas inúmeros pontos de preenchimento, nos quais são utilizados finos fios de linho, são empregados para que o resultado seja uma renda extremamente delicada, ou conforma Earnshaw (1982), “sublime”.

Renda produzida com a técnica "plat point"

Renda produzida com a técnica "plat point"

 Coralline, em italiano, punto coralino – se desenvolve a partir de 1600 e o Museo Caprai, da Itália, descreve a renda como sendo composta por uma intrincada floresta de galhos finos que se desenvolvem em todas as direções, lembrando as ramificações típicas do coral. Parece mais um produto da natureza do que uma realização artística humana. Earnshaw (1982) reforça que segundo a lenda, o nome foi inspirado em um coral chamado “Mermaid Lace”( renda sereia, em uma tradução livre) trazida dos mares do sul por um marinheiro e que inspirou a sua noiva a transpor o coral para renda em linha de linho e ponto caseado.

Ao contrário do “point plat” e do “gross point” que foram reproduzidos em vários países europeus, o Museo Caprai menciona que esta renda não foi reproduzida em nenhum outro lugar.

É uma renda que dificilmente encontra-se disponível para visualização em sites de museus.

Renda produzida com a técnica "coralline"

Detalhe da renda coralline do acervo do Museo Caprai

Reseau Venice, em português podemos “tentar” traduzir para algo como "renda veneziana com malha" ou com "rede". Atenção que a palavra malha não se aplica nos termos que usamos convencionalmente nos dias de hoje. Importante salientar que nesta técnica, ao invés de barras para ligar os motivos, a base de ligação era tecida com uma rede com pontos que lembram uma forma hexagonal. Este tipo de base, nos séculos seguintes também será utilizado em técnicas produzidas em outros países, mas isso é assunto para outro post. 

A imagem abaixo não é rica em detalhes, mas ajuda a ter uma ideia e diferenciar esta técnica das demais citadas. 

 

Essas rendas eram produzidas geralmente em linho (e com muito menos frequência em seda).

Como se pode observar, os nomes das técnicas estão mencionados em inglês por conta de ser a origem da maior parte das referências e fontes de pesquisa. As relações com as versões para italiano, francês e português servem para ajudar na compreensão das diferenças entre as técnicas.

Mesmo que este conteúdo não seja um artigo científico, espero que este conteúdo tenha contribuído para ampliar seus conhecimentos sobre as rendas italianas produzidas no século XVII. As fontes utilizadas na pesquisa são fontes fidedignas e séries e você pode conferir abaixo.

 

Até a próxima!

Vera

 

 

Referências

Earnshaw, Pat. The Identification of Lace. 3th. ed. London: Shire Publications Ltd, 2000.

Earnshaw, Pat. A dictionary of lace. London: Shire Publications Ltd, 1982.

Metropolitan Museum of Art: www.metmuseum.org

Museu Caprai: www.museocaprai.it

The Cleveland Museum of Art: www.clevelandart.org

 


 

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