Crochê irlandês

Vou iniciar este artigo alertando, principalmente aos iniciantes no assunto, para que não confundam as técnicas crochê irlandês e renda irlandesa, ambas produzidas no Brasil(*). Outro alerta diz respeito ao termo “Irish lace” (renda irlandesa), encontrado em bibliografias escritas em inglês, pois ele não se refere à técnica produzida aqui no Brasil, mas às diversas técnicas produzidas na Irlanda, tais como: carrickmacross, limerick, youghal e também a Irish crochet.

Algumas fontes internacionais da internet utilizam a expressão em inglês “Irish lace” para diferenciar os trabalhos feitos em crochê tradicional do crochê irlandês, cuja diferença trataremos mais adiante.

Crochê irlandês por Ivelise Barssotti 

Crochê irlandês por Iveslise Barssotti 

O foco deste artigo é trazer um pouco da história e dos aspectos técnicos do crochê irlandês.

História

O crochê irlandês surgiu e se difundiu na cidade de Cork, no sul da Irlanda, por volta de 1840. A autora Bury Palliser (1902) comenta que os primeiros registros são das irmãs do convento das Ursulinas em Blackrock, em Cork, quando receberam pagamentos por trabalhos feitos em suas escolas. A produção da técnica neste convento contribuiu para a inclusão do ensino do crochê irlandês no sistema educacional de quase todos os conventos do país. No decorrer dos anos, a cidade de Monaghan, no norte, também teve grande destaque na produção da técnica.

De acordo com Earnshaw, o crochê feito da forma tradicional foi introduzido na Irlanda por freiras francesas por volta de 1830. No decorrer dos anos, a técnica passou por alterações que resultaram no que conhecemos hoje como crochê irlandês. As alterações são observadas tanto no efeito visual quanto na forma de tecer, tendo como destaque os volumes que contribuem para destacar os motivos, principalmente florais, da peça. Segundo alguns autores, essas alterações foram fortemente influenciadas pela técnica de renda de agulha veneziana gross point, que teve seu auge em meados do século XVII. Abaixo imagem da renda produzida com técnica veneziana onde destacam-se os volumes que adornam os motivos:

Border of Venetian raised needle lace, Italy, 1650-1700. Victoria & Albert Museum

Iniciativas filantrópicas também contribuíram e incentivaram a produção do crochê irlandês, isso porque durante os anos de 1845-1849 a Irlanda passou por um período chamado A Grande Fome. A comercialização das rendas contribuiu para o sustento de inúmeras famílias. Segundo Palliser (1902) e Earnshaw (1982), por volta de 1860 haviam em torno de 12.000 mulheres em Cork ocupadas na produção de rendas. Para que a técnica se espalhasse pelo país, pessoas treinadas eram enviadas para outras cidades com o intuito de disseminar o conhecimento.

Mas no decorrer das décadas houve um forte impacto e concorrência com as rendas produzidas mecanicamente em Nottingham (Inglaterra) e Suíça. Na Suíça foi inventado o tear Schiffli e a renda manual escolhida para ser imitada foi o crochê irlandês (Earnshaw, 1982). As rendas mecânicas, apesar de não imitar perfeitamente as características da técnica manual, eram vendidas por preços menores e com isso teve uma maior procura. A autora ainda comenta que por volta de 1930 uma versão inferior do crochê irlandês também passou a ser produzido na China.

Peças confeccionadas em crochê irlandês manual podem ser encontradas em acervos de diversos museus. Na Irlanda, o museu da renda da cidade de Clones promove cursos para o ensino da técnica como estímulo e perpetuação do fazer. Abaixo algumas imagens que ilustram peças em acervos de importantes museus:

Irish crochet collar 1895-1914 - Museum of Applied Arts & Sciences

Manga em crochê irlandês, 1860. Victoria & Albert Museum

Colar, c. 1850. Metropolitan Museum

A técnica

O processo de produção do crochê irlandês se difere em alguns aspectos do crochê tradicional, isso porque na versão tradicional o processo de tecer consiste na construção de pontos feitos em carreiras e laçadas. Já no crochê irlandês, a primeira etapa consiste em tecer motivos diversos (com o uso da agulha de crochê). Alguns destes motivos podem ou não apresentar volumes, tendo esse efeito grande impacto na riqueza visual da peça. Os volumes a que me refiro predominam no lado direito da peça, enquanto no lado avesso a superfície geralmente é plana.

Após a confecção dos motivos, eles são fixados com alfinetes ou alinhavados em uma superfície plana (tecido). Na organização e distribuição dos motivos sobre a superfície é também onde se define o desenho da peça. Depois de fixados, utiliza-se também uma agulha de crochê (geralmente muito fina) para confeccionar pontos que tem a função de unir os motivos e, ao mesmo tempo, cumprir o papel de ser base – ou fundo - da renda. Há diferentes pontos que podem ser empregados na construção da base.

Ao final, tira-se o alinhavo e o crochê irlandês está pronto!

No esquema abaixo é possível identificar os motivos e a base de ligação:


Neste artigo apresentei alguns aspectos históricos e técnicos sobre o crochê irlandês. Reforço que esta técnica pode estar inserida como uma tipologia de renda devido as suas características formais e estruturais.

Abraço e até a próxima!

Vera

Agradecimento:

Agradeço especialmente Ivelise Barssotti pela confecção das peças em crochê irlandês que ilustram este artigo, as quais estão devidamente referenciados no texto.

 

(*) Sobre a renda irlandesa produzida no Brasil consultar:

FELIPPI, Vera. Decifrando rendas: história, processos e técnicas. Porto Alegre: 2021. 

Disponível em: https://issuu.com/verafelippi/docs/decifrando_rendas_ebook-compacto_verafelippi

 

Referências:

EARNSHAW, Pat. A dictionary of lace. London: Shire Publications, 1988.

PALLISER, Bury. A history of lace. London: William Clowes and Sons, 1902. Disponível em: http://www.gutenberg.org/files/57009/57009-h/57009-h.htm#page26. Acesso em: 26 jan. 2023. 



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