Renda singeleza, renda turca e renda turca de bicos, do que se trata?


Como já mencionei em artigos e também na minha dissertação de mestrado (Acervo de rendas Lucy Niemeyer: uma contribuição para o Design), o estudo de rendas não é uma missão fácil. Isto se deve principalmente ao fato de haver nomes diferentes para técnicas que são praticamente iguais. A diferença de nomenclatura pode ocorrer de um país para outro ou em diferentes regiões de um mesmo país. Essa observação também é valida para a técnica que vamos tratar neste texto: renda singeleza, renda turca e renda turca de bicos.

Pelo que foi observado, tanto nesta técnica quanto em outras, é que a mudança de nomenclatura se justifica muitas vezes por pequenas diferenças no modo de fazer, mas que praticamente não altera o resultado visual (as adaptações de nomes de pontos e modos de fazer são frequentemente mencionadas por pesquisadores de técnicas manuais em seus estudos).

Hoje vamos abordar a renda singeleza ou renda turca ou renda turca de bicos. Esses 3 diferentes nomes são empregados no Brasil. O termo singeleza ocorre com mais frenquência para a técnica produzida em Alagoas, já as demais nomenclaturas são frequentemente usadas Minhas Gerais e São Paulo.

Trabalhos em renda turca da artesã Solange Oliveira

Para quem desejar aprofundar a pesquisa cabe mencionar que em algumas bibliografias em inglês, a técnica é chamada pelo nome genérico de “netting”.

Mas no que consiste exatamente esta técnica, como é executada, quais as ferramentas e resultados visuais?

Vou lhes dar as respostas e também apontar caminhos para você aprofundar sua pesquisa, para isso, tanto no decorrer do texto quanto no final citarei referências bibliográficas.

A técnica consiste na construção de um tecido aberto, onde os pontos são feitos com nós, utilizando como ferramenta um pequeno bastão que pode ser de madeira (em algumas comunidades de Alagoas talos de coqueiro são utilizados) ou metálicos (até mesmo hastes de sombrinhas são usadas). O bastão serve também como suporte onde os pontos são apoiados. Para o entrelaçamento do fio e construção do ponto, o fio é conduzido com uma agulha. O caminho que o fio percorre, inserido na agulha e tendo o bastão como apoio, permite a confecção das laçadas e dos nós.

A imagem abaixo, divulgada pela artesã Solange Oliveira, ilustra o processo de execução, bem como as ferramentas utilizadas:

Processo de confecção da renda turca por Solange Oliveria

Ou clique neste link do YouTube que vai te levar a um vídeo onde Solange demonstra a técnica.

O fio de algodão é o mais usado, principalmente no Brasil. Porém, pelo mundo há outras possibilidades de materiais em uso. Na Croácia, mais precisamente no Mosteiro de Hvar, as monjas beneditinas colhem talos de Aloe Vera, esperam secar e retiram fios para fazer a renda.  Com uma breve pesquisa na Internet, encontrei a imagem abaixo que pode acessada no site  Visit World Heritage e Pompeu (2016) também menciona essa ocorrência em sua pesquisa - referência completa ao final do texto).

Agave Lace

O resultado visual que predomina na renda são pontos em formato quadrado ou de losango, agrupados de diferentes maneiras que podem ser aplicados para a confecção de roupas e  peças para decoração. No site Knots Indeed é possível identificar alguns desenhos técnicos dos pontos.    
Fonte: Site Knots Indeed

No Brasil, há um pólo de produção da renda na região de Sabará em Minas Gerais (POMPEU, 2016) e algumas artesãs se destacam no país pela atuação em divulgar a técnica, como é o caso de Solange Oliveira(*).

Solange aprendeu a fazer a renda aos 14 anos com uma vizinha nordestina. Atualmente além de sua produção, faz parcerias com arquitetos e designers no intuito de divulgar seu trabalho e a técnica em diversos países. Seu trabalho também consta no livro "1001 Dentellières" do autor Michel Bouvot, lançado na França no ano de 2017, sendo a única brasileira a figurar na publicação. 

Como ocorre em diversas técnicas têxteis, a documentação é escassa, sendo praticamente impossível de afirmar com precisão como e quando a técnica chegou ao Brasil.

Conforme aponta Pompeu (2016), na Argentina a renda Tucumán, produzida na Província de  mesmo nome, apesar da diferença no suporte (utiliza-se um bastidor circular) se assemelha na construção dos nós e das laçadas.  E, na Itália, na cidade de Latrônio – região da Basilicata – há um grupo de artesãs que também produzem uma renda chamada Puntino Ad Ago que muito se assemelha à renda singeleza. Aqui se destaca a parceria de pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas e da Universidade de Basilicata para pesquisar a técnica (Nota sobre a parceria divulgada no site da UFAL) que rendeu pesquisa em nível de doutorado.

Pesquisores das localidades mencionadas agem no sentido de preservar o “saber-fazer” apresentando propostas para instituições como IPHAN para que a técnica seja reconhecida nacionalmente e inscrita no Livro de Registro dos Saberes (assim como ocorreu com a renda irlandesa feita em Sergipe) .

A técnica produzida em Alagoas está em processo de instrução para registro conforme verifiquei no site do IPHAN (reforço que a pesquisa no site foi feita na data da publicação deste texto: jan/2020).

A técnica produzida na cidade de Sabará já está inscrita em nível municipal.


Espero que tenham aprendido um pouco mais sobre mais uma técnica de renda produzida no Brasil e no mundo. Além dos links que se encontram no corpo do texto, abaixo seguem mais algumas referências.

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Referências:

(*) Perfil de Solange Oliveira no Facebook: https://www.facebook.com/www.rendaturca.com.br/


POMPEU, Helga Maria Costa Freitas. Narrativas e o lugar: sobre o artesanato tradicional da Renda Turca de Bicos de Sabará. Dissertação de Mestrado. Programa de PósGraduação em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável da Escola de Arquitetura UFMG, 2016.

Bico e renda singeleza:http://www.cultura.al.gov.br/politicas-e-acoes/patrimonio-cultural/principal/textos/livro-de-registro/bico-e-renda-singeleza

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