Tartans: uma breve - e interessante - história!


Já faz algum tempo que tenho interesse em escrever este texto e confesso que, no decorrer da pesquisa, aprendi muito! Tenho há alguns anos um livro com imagens de padronagens de tartans escoceses mas, apesar de ter lindas imagens, não trata de sua história. E esse tema sempre fez minha imaginação voar....mas vamos ao assunto.

Livro: Scottish Tartans - James Grant, 1992
A publicação original é de 1886

Apenas para reforçar, o tartan a que me refiro neste texto é um tecido plano (de urdume e trama) de lã, com uma padronagem xadrez que, na maioria das vezes, tem ligamento em sarja. No passado, seu uso era principalmente dos clãs das Terras Altas (Highland) e só a partir do século XVI que passou a ser exportado para o sul. Sempre acreditei que o tartan era criado e imediatamente já era nomeado (pelo clã) e registrado, mas não é bem assim...nomes e registros só aparecem muito tempo depois. Acompanhem o texto e, caso queiram se aprofundar ainda mais, acessem as fontes que estão referenciadas no final do texto. 

As padronagens e cores dos tartans se ampliavam e se diversificavam à medida que os clãs cresciam e se ramificavam através do nascimento, morte ou casamento. Originalmente o tecido era feito em teares manuais e cada aldeia possuía sua estrutura de produção (fiação, tingimento, tecelagem e confecção). As primeiras padronagens de tartans eram simples, provavelmente com apenas duas ou três cores, as quais eram extraídas de plantas, raízes, frutos e insetos. Com o desenvolvimento da indústria têxtil a partir do século XVIII e o advento dos corantes químicos, as opções de cores se ampliaram, o que contribuiu para enriquecer e diversificar cada vez mais as padronagens.



Imagem de tear manual que produzia tartans. Fonte: Scottish Tartans Museum
O tartan era (e ainda é) usado para fazer as peças de vestuário que hoje são consideradas roupas escocesas tradicionais como os kilts, usados pelos homens e o arasaid para as mulheres. O arasaid é uma peça comprida que vai da cabeça aos tornozelos, conforme ilustra a imagem de James Basire de 1745.
A lady in the Highlands. James Basire, 1745.

De acordo com o site Scottisch Tartans Authority (e também considerando outras fontes) há muitas controvérsias sobre quando os tartans ligados aos clãs surgiram. O Scottish Tartan Museum aponta que o “tartan mais antigo conhecido na Escócia pode ser datado do século III ou IV. Em outras partes do mundo, foi encontrado tecido de tartan datado de aproximadamente 3000 a.C. Em praticamente todos os lugares do mundo havia tecidos – inclusive tartans - no entanto, somente na Escócia eles receberam significado cultural(1). Importante ressaltar que originalmente os desenhos de tartans não tinham nomes e nem valor simbólico, esse valor veio muito depois, por volta do século XVIII e, é também a partir deste período, que surgem os nomes dos tartans, predominando nomes de clãs das Terras Altas.

No site do Scottish Tartan Museum há um trecho interessante que aqui transcrevo (tradução minha): “No início do século XIX, começou a ideia de que os nomes atribuídos aos tartans representavam conexões reais com os clãs. Os expatriados escoceses que cresceram fora das Terras Altas (Highland) começaram a se interessar em preservar tal cultura. Supunha-se que os tartans sempre foram nomeados e representavam afiliações reais. Em 1815, a Sociedade das Terras Altas de Londres escreveu aos chefes de clãs pedindo-lhes que apresentassem amostras de seus tartans. Muitos chefes não tinham idéia do que era ‘o tartan do clã’ e, portanto, escreveram para fornecedores de tartan ou perguntaram aos homens mais velhos do clã se eles se lembravam de algum tartan em particular”. (link do texto).

Embora os mais conhecidos sejam os tartans ligados aos clãs, eles também podem representar famílias, cidades, corporações e indivíduos. E, o que o torna “oficial” ou “autêntico” é a aprovação do que ele representa, bem como seu registro (retomo a essa questão no final do texto). É importante compreender que há nomes mais genéricos, como por exemplo "tartan de caça", os quais normalmente são em tonalidades mais escuras e, como o nome indica, utilizado para a prática de caça.

Mas, voltando aos clãs....

O sistema de clans era a base de vida nas montanhas escocesas sendo, na maioria, um grupo unido pelo parentesco. Além do vínculo familiar, qualquer pessoa que prometesse lealdade ao chefe do clã poderia fazer parte do grupo. Os grupos eram associados a uma área geográfica, conforme ilustra a figura abaixo.

* Importante ressaltar que o site Highland Tittles aponta que esse mapa pode ser polêmico e que existem inúmeras versões do mapa. De qq forma, para este texto o mapa serve como uma ilustração das possibilidades de ocupação geográfica dos clãns.

Acredita-se que os clãs tenham surgido por volta de 1100 d.C. (2). Rivalidades e massacres eram muito comuns entre eles pela sobrevivência, recursos e terras. No século XVIII os grupos foram perdendo a força e, na Batalha de Culloden, em 1746, perderam o poder tendo de se submeter ao rei George II (1683-1760) da Inglaterra. Por conta desta batalha, o uso do tartan foi proibido e seu uso só foi permitido novamente a partir de 1782.

Algumas leituras sugerem que foi neste período de proibição que muitos registros de tecelões tenham sido destruídos, pois o interesse maior era a de que os clãs perdessem sua identidade. Somado a isso, muitas pessoas perderam o interesse pelo uso do tartan.

O interesse ressurgiu quando o Rei George IV visitou a Escócia em 1822 e sugeriu que as pessoas que participassem das reuniões oficiais usassem o tartan de seus respectivos ancestrais. A esta altura, muitos tecelões não mais produziam os tecidos e até mesmo muitos tartans “se perderam” por conta da proibição. Mas pelo repentino interesse do rei, ouve um resgate e reinvenção de tartans.

A imagem abaixo ilustra George IV em sua rica e imponente roupa e na sequência o tartan Real Stewart, padronagem usada por George IV. De acordo com um texto da Universidade de Glasgow, a “roupa extravagante custou mais de 1.350 libras (cerca de 58.000 libras no valor de hoje) e estaria muito longe do traje prático e simples de um highlander comum” (4). Ressalto que o quadro foi pintado  7 anos após ao evento, em 1829.

King George IV’ . David Wilkie, 1829

Padronagem de tartan usada por George IV de nome "Royal Stewart". Fonte Scottish Register of Tartans.


Muitos sites escoceses apontam que as primeiras referências ao uso de tartans pela realeza foi pelo tesoureiro do Rei James III , que em 1471 comprou um pedaço de pano para o rei e a rainha. O Rei James V usava tartan enquanto caçava nas Highlands em 1538, e o Rei Carlo II usou uma fita de tartan em seu casaco no casamento em 1662(5).

Tal interesse pelos tecidos xadrezes foram seguidos pela Rainha Vitória, que durante sua visita à Escócia em 1842, que não só comprou um castelo por lá, como passou a gostar dos costumes escoceses.

Vestido usado pela Rainha Vitória (1835-37). Tartan MacDonnell of Glengarry em veludo de seda



Detalhe do vestido usado pela Rainha Vitória (1835-37). Tartan MacDonnell of Glengarry em veludo de seda

O uso frequente de tecidos xadrezes pela Rainha, fez com que eles se tornassem populares no vestuário de homens e mulheres na Inglaterra e na França. Como consequência houve também diversificação na composição do tecido: não só fios de lã eram utilizados, mas também fios de seda passaram a ser empregados para enobrecer os tecidos usados pela nobreza no século XIX. 

Atualmente muitos representantes de grandes clãs ainda comemoram e lembram a memória de seus ancestrais, tais como os Baird, Bruce, Cunningham, Johnstone, MacDonald, Wallace, entre muitos outros. Veja abaixo alguns famosos tartans com seus respectivos nomes: clã Grant, Rob Roy e Malcolm, respectivamente.


                                                    
                                                         

Fonte: The Scottish Register of Tartans

O Scottish Tartan Museum (1) afirma que embora possa ter sido verdade que certas cores ou motivos de padrões eram mais comuns em algumas áreas do que em outras, nunca existiu um sistema  "tartan de clã" regulamentado ou definido. Ainda de acordo com o Museu, no “Key Pattern Book” da tecelagem William Wilson & Sons, de 1819, estão incluídos cerca de 250 tartans, dos quais cerca de 100 receberam nomes. No livro havia tartans desenhados pela tecelagem dos Wilsons, como também padrões que eles haviam colecionado de toda a Escócia.

Mas a partir de 2008, foi estabelecido o Registro Escocês de Tartans por um ato do Parlamento Escocês que consiste em um registro único e independente de tartans visando a promoção, preservação e informações sobre tartans históricos e contemporâneos da Escócia e de todo o mundo. O Registro é administrado pelos Registros Nacionais da Escócia (NRS), com orientação do Tribunal do Lorde Lyon e representantes da indústria escocesa de tartan (6). O site pode ser acessado em: https://www.tartanregister.gov.uk/search

Este texto foi apenas um resumo de algumas leituras, as quais menciono nas referências. Torna-se importante ressaltar que muitos aspectos não foram aqui tratados, como o ícone da indumentária escocesa, o kilt e também as conexões dos tartans com a indumentária militar. Há também todo o avanço no desenvolvimento do tartan (tanto na diversificação de cores, fios e estrutura) durante a revolução industrial, mas isso fica para uma próxima...ou se você tiver alguma dúvida específica, me escreva.


Referências:

(1) Scottish Tartan Museum: https://scottishtartansmuseum.org/content.aspx?page_id=22&club_id=170857&module_id=290899

(2) Highland Titles: https://www.highlandtitles.com/scottish-clans-and-families/

(3) Professora Viccy Coltmam para BBC Culture em : http://www.bbc.com/culture/story/20170912-why-tartan-is-a-symbol-of-both-rebellion-and-sophistication

(4) Refiro-me a um texto que consta no curso on-line “The History of Royal Fashion” da Universidade de Glasgow, disponível no site Futurelearn.com – Aula 3.18

(5) Historic UK: https://www.historic-uk.com/HistoryUK/HistoryofScotland/The-History-of-Tartan/

(6) The Scottish Register of Tartans: https://www.tartanregister.gov.uk/index

(7) Historic Royal Palaces: https://www.hrp.org.uk/kensington-palace/history-and-stories/queen-victoria/#gs.5ejx0v

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